sábado, 21 de abril de 2012

" As coisas falam por si " Van Gogh


Van Gogh - Auto retrato com chapéu de feltro

"Um louco, Van Gogh? Aquele que soube um dia olhar um rosto humano olhe o autorretrato de Van Gogh, penso naquele com um chapéu de feltro. Pintada por Van Gogh extra lúcido, esta figura de carniceiro ruivo que nos inspeciona e espia, que nos perscruta também com um olho feroz.
Não conheço um só psiquiatra capaz de perscrutar um rosto de homem com uma força tão esmagadora e destrinchá-lo com infalível psicologia.
O olho de Van Gogh é de um grande gênio, porém a maneira como o vejo dissecar-me do fundo da tela em que surgiu não é mais o de um pintor genial neste momento, mas o de um filósofo que jamais encontrei na vida. 
 Não, Sócrates não tinha esse olhar, somente o desgraçado Nietzsche, antes dele, teve talvez este olhar capaz de desnudar a alma, de libertar o corpo da alma, de pôr a nu o corpo do homem, fora dos subterfúgios do espírito.
O olhar de Van Gogh é pendente, fixo, ele é vítreo atrás das pálpebras curtas, das sobrancelhas estreitas e sem nenhuma ruga. É um olhar que penetra direto, transpassa este rosto talhado a faca como uma árvore bem podada.
Mas Van Gogh captou o momento em que a pupila vai vazar no vazio, onde este olhar lançado contra nós como a bomba de um meteoro ganha a cor átona do vazio e do inerte que o preenche. Foi assim que o grande Van Gogh, melhor do que qualquer psiquiatra do mundo, definiu sua doença.
Eu penetro, retomo, inspeciono, penduro, despenduro, minha vida morta não oculta nada, e o nada, afinal, nunca fez mal a ninguém, o que me obriga a retornar para meu interior é esta ausência desoladora que passa e me submerge por alguns momentos, mas vejo claro nela, muito claro, mesmo o que nada sei, e poderia dizer o que há dentro.
Van Gogh tinha razão, podemos viver para o infinito, nos contentar com o infinito, há bastante infinito na terra e nas esferas para saciar mil grandes gênios, e se Van Gogh não logrou satisfazer seu desejo de irradiá-lo durante a vida inteira foi porque a sociedade o proibiu."





Antonin Artaud  em  "Van Gogh - O suicidado da sociedade" (1947)

Antonin Artaud  

Alguns de seus autorretratos:




                                                                                                                                                               
Nos 150 anos de nascimento de Van Gogh, a Editora José  Olympio presta uma homenagem ao pintor e lança Van Gogh, o suicida da sociedade.
Publicado em 1947, alguns meses antes da  morte de  Antonin Artaud, o livro foi acolhido com elogios pela crítica e recebeu o prêmio Sainte-Beuve de ensaios, em janeiro de 1948
Poucos textos de Artaud sugerem como este tal embriaguez, tal irrupção de vida e sensualidade.
A edição inclui ainda  ilustrações das obras que Van Gogh criou. Com tradução do poeta Ferreira Gullar, este pequeno ensaio ganha sabor especial.

Assita nesse link abaixo,  vídeo com as transformações que acontecem através da montagem de várias telas de seus autorretratos:

Um comentário:

  1. Van Gogh,foi sempre e continua sendo uma rica incógnita.No vídeo,ao qual acabei de assistir as indescritíveis transformações do próprio autor em suas telas,permito-me afirmar que são suas mais cativantes metamorfoses,as quais ele sempre se submeteu durante sua vida de pinceis.Continua sendo também um importante assunto de muitas interrogações.Parabéns pela postagem!Um grande abraço!

    ResponderExcluir